segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Leite: alimento perfeito?


A pretexto da mensagem anterior, relativa a um estudo sobre o consumo de lacticínios na infância, decidimos (re)lembrar a importância do leite na infância e na idade adulta.

Quais as vantagens do aleitamento materno? Qual o relevo do precioso líquido para os adultos? O leite faz mesmo falta ao longo da vida? E qual é o mais indicado? Esclareça as dúvidas e saiba as respostas a estas e outras questões.
Que o leite é um alimento fundamental para as crianças – de tal modo que é a base da dieta dos recém-nascidos – não é novidade. Mas o consumo de leite não é só importante nessa fase da vida. «É óbvio que, durante o crescimento, tem outro impacto na saúde, porque o leite, sendo uma boa fonte de cálcio, é determinante para a edificação da estrutura óssea. Mas também é importante nas várias outras fases da vida, principalmente pelo facto de ser um bom fornecedor de cálcio e de proteínas com aminoácidos essenciais, entre várias outras características». Quem o diz é a presidente da Associação Portuguesa dos Nutricionistas (APN), Alexandra Bento.
Mas comecemos, primeiro, pela importância do leite nas crianças, nomeadamente, nos recém-nascidos. Beber ou não beber não é uma questão que, nessa fase da vida, se coloque – o seu consumo é fundamental. A questão passa por perceber qual o tipo de leite mais indicado: se é sempre o materno, ou se o artificial é, também, uma boa opção.

Recém-nascidos: Leite materno ou adaptado?
«O leite materno é insubstituível; é, sem dúvida, o mais indicado para o bebé», afirma a pediatra Cristina Gouveia. À margem do IV Encontro Nacional de Conselheiros de Aleitamento materno, que decorreu a 30 de Maio de 2009, a especialista, da Administração Regional de Saúde do Algarve, referiu que «o leite artificial é uma opção quando o materno não está disponível, mas dizer que o substitui é errado». E explica porquê: «o leite materno está perfeitamente adaptado ao organismo humano, em termos de características nutricionais, mas também em termos de anticorpos transmitidos ao bebé. Trata-se de um alimento vivo, que tem factores de protecção inimitáveis, que ajudam à diferenciação e à maturação do organismo humano». E, sim, «diminuiu o risco de algumas doenças e infecções». A curto prazo, como de «infecções respiratórias, gastroenterites, otites...» e, também, a longo prazo, como da «diabetes, hipertensão, etc». «Vários estudos evidenciam que há uma menor representação de algumas doenças – até da leucemia ou do linfoma - nos indivíduos que foram amamentados», esclarece a pediatra.
As recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) são de que as crianças devem fazer aleitamento materno exclusivo até aos seis meses de idade, e devem continuar a ser amamentadas, pelo menos, até completarem os dois anos.

E depois da amamentação?
Qual a quantidade certa de leite que as crianças devem consumir? «Isso depende da idade das crianças, e até do conjunto da sua dieta alimentar, porque os derivados do leite também contam», esclarece a pediatra Cristina Gouveia. «Aos dois anos de idade, a quantidade recomendada situa-se entre os 500, 600 mililitros (cerca de três copos de leite)».
Atenção ao excesso de leite! «O leite de vaca, assim como o leite artificial, tem um excesso proteico, e o rim imaturo da criança lida mal com a sobrecarga renal, nomeadamente em termos de cálcio. Mesmo os adultos também não devem exagerar na quantidade de leite», refere a especialista. «O consumo excessivo de qualquer alimento não é recomendado», reforça a nutricionista Alexandra Bento. Por isso, «se se consumir um iogurte, então deve-se reduzir a quantidade de leite, pois são alimentos equiparados nutricionalmente», avisa. Mesmo assim, a presidente da Associação Portuguesa dos Nutricionistas concorda com a pediatra Cristina Gouveia no que concerne às doses recomendadas de leite para as crianças: «pode variar entre os dois e os três copos de leite diários». Os adolescentes podem consumir um pouco mais: «entre três e quatro copos».
A nutricionista afirma que, «de um modo geral, não há preocupação, nestas faixas etárias, em relação ao consumo de leite; não é insuficiente».
Os adultos e o leite
Várias teses existem contra o consumo de leite na idade adulta. Referem, entre outros tópicos, que se trata de algo anti-natural (mais nenhum mamífero consome leite após a amamentação), que é possível obter quantidades adequadas de cálcio sem recorrer aos lacticínios, e que, em pessoas geneticamente predispostas, algumas proteínas do leite bovino (e também ovino e caprino) podem causar reacções alérgicas e até doenças auto-imunes. No entanto, se isso é verdade, também é verdade que o leite não é só composto por cálcio e proteínas. Das suas características nutricionais destacam-se, também, várias vitaminas, outros minerais (para além do cálcio) e oligoelementos - sobretudo selénio e iodo.
A nutricionista Alexandra Bento não considera, «em momento algum», que o consumo de leite na idade adulta seja algo anti-natural. «O leite é um alimento importante para a saúde e o seu consumo é recomendado», diz.
A especialista não esquece que o leite e os seus derivados não são os únicos fornecedores de cálcio – «os alimentos de origem vegetal, sobretudo os muito verdes, como é o caso da couve-galega, até são alimentos que têm um bom aporte desse mineral», diz – mas «a questão é se de facto os consumimos em quantidades suficientes para obter esse benefício». Por isso, Alexandra Bento recomenda que a população adulta beba «cerca de dois copos de leite por dia». Em relação aos mais idosos, a nutricionista alerta para o facto de que os que nunca consumiram leite, «também não é essa a altura mais indicada». Pelo facto de que «para fazermos uma boa digestão do leite, temos de ter capacidade de digerir a lactose (o açúcar do leite), e precisamos de uma enzima presente no nosso estômago (a lactase). Se nós nunca consumimos leite ao longo da vida, essa enzima fica, de algum modo, ‘preguiçosa’; por isso, muitas pessoas mais idosas (e não só), quando nunca beberam leite e começam a consumi-lo, muitas vezes, dizem que ficam com uma sensação de desconforto». Trata-se da intolerância à lactose. Deste modo, a especialista recomenda o consumo «de outras fontes alimentares, também boas fornecedores de cálcio». Até porque a osteoporose é uma doença - prevenível com o consumo de cálcio – frequente na terceira idade.

Qual o melhor leite?
Os leites disponíveis no mercado não são todos iguais – a começar pelo preço ou pelo sabor… «O leite de vaca, como outros alimentos, não é todo igual. Começa logo por depender da natureza do pasto, etc.», refere Alexandra Bento. «Depois, o processo de fabrico torna possível alterar a quantidade de gordura» – a propósito, a nutricionista considera que, «genericamente, a melhor opção é o leite meio-gordo, embora o magro seja recomendado para determinados indivíduos com patologias várias ou a fazer um programa de perda de peso». E, também, o leite pode passar por processos térmicos diferentes, que lhe confere valores distintos em termos de quantidade de vitaminas. Além disso, «a indústria alimentar inova e põe ao dispor do consumidor alguns leites adaptados às diferentes necessidades: ora com mais cálcio e vitamina D, ora com menos lactose…»
No entanto, a qualidade mesmo do leite mais barato – que não oferece essas ‘inovações’ – não é posta em causa. «Existem rigorosos controlos de qualidade», atesta Alexandra Bento. «E se olharmos para os vários tipos de leite apenas como fornecedores de proteínas e de cálcio, então são muito parecidos».

Por isso, opte pelo sabor de que mais gostar, pela marca que preferir, pelo preço que mais lhe convier, mas não descure a importância do leite – e dos seus derivados! Se se trata, ou não - como Hipócrates (século IV a. C.), ‘pai’ da Medicina, referiu – de «um alimento muito próximo da perfeição», as teses actuais divergem. Mas o seu consumo é aconselhado. Às crianças, claro, mas, também, aos adultos.

Algumas razões para beber leite:
- É a melhor fonte de cálcio
- Tem proteínas de alto valor biológico
- Boa fonte de energia
- É uma boa fonte de vitaminas
- É um alimento seguro, versátil e acessível

Alto consumo de lacticínios na infância aumenta expectativa de vida

Um estudo publicado na revista «Heart» afirma que as crianças que consomem muitos produtos derivados do leite têm uma expectativa de vida maior.
Para a pesquisa, investigadores da Universidade de Bristol, da Grã-Bretanha, e do Queensland Institute of Medical Research, da Austrália, procuraram, 65 anos depois, o paradeiro de 4.374 crianças submetidas a um estudo nos anos 30, no Reino Unido, e descobriram que as que tinham alto consumo de lacticínios e cálcio na infância mostraram maior resistência a doenças cardiovasculares e outras doenças letais.
Apesar de os lacticínios conterem gordura e colesterol, o alto consumo dos produtos não aumentou os riscos de doenças cardíacas. O consumo de pelo menos 400 miligramas de cálcio - presente em menos de meio litro de leite - reduziu em 60% os riscos de morte por doença cardiovascular.
Os dados da pesquisa corroboram os níveis de consumo de lacticínios sugeridos actualmente por especialistas. Para consumir a quantidade de cálcio sugerida diariamente, uma pessoa deve tomar um copo de 200 mililitros de leite, uma porção de iogurte e um pequeno pedaço de queijo.
Os cientistas acreditam que outros factores podem ter influenciado os resultados da pesquisa. Por exemplo, as crianças que tinham consumo diário mais alto de cálcio vinham de famílias mais ricas, e tinham melhores hábitos alimentares. No entanto, sustentam que há indícios de que o alto consumo de cálcio é bom para a pressão sanguínea.
A cientista Joanne Murphy, da Stroke Association, que não participou na pesquisa, referiu que "este é um estudo interessante, mas precisamos observar mais para poder realmente ter ideia dos benefícios do leite na redução de probabilidade de morte por doença cardiovascular".
"Enquanto isso, recomendamos que os pais escolham dietas ricas em frutas e vegetais e com pouca gordura saturada e sal para o bem-estar geral dos seus filhos."